20 de dez. de 2008

AUTOESPELHOGRAFIA (uma saudação a meus mestres)

O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente


E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
que se chama coração

F. Pessoa (“Autopsicografia”)

“(...)

Porque, para que a Dor perscrutes, fora
Mister que, não como és, em síntese, antes
Fosses, a refletir teus semelhantes,
A própria humanidade sofredora!

A universal complexidade é que Ela
Compreende. E se, por vezes, se divide,
Mesmo ainda assim, seu todo não reside
No quociente isolado da parcela!

(...)”

A. dos Anjos (“As cismas do destino”)

Sou um cristal a luzir
uma poesia emprestada
à musa envenenada
pela dor que eu fingir.

Os que focam-se em meu brilho
sentem um êxtase de cegos;
vêem, na dor que eu reflito,
um cintilar sobre os egos.

É o encanto com um sublime
ciente da sensação
de que as cismas do destino
pedem vidros à razão.

caeiro.com

seja on-line seja in of

insisto em sofrer a dor

que a alma deveras sofre

sitiado com Caeiro

reger um coral de orpheus

- tão logo login, logout!

E a orquestra heteronímica

na batuta do maestro

me entoando em eus diversos

A Augusto dos Anjos

Ouvi um anjo, cujas asas eram minhas,
dizer em verso – sê bem vindo ao paraíso!
Eu esperava levantar em pouco tempo
daquele leito em chão batido de cimento.

Mas as palavras pareciam excrementos,
a recobrirem os meus mais gélidos lamentos
E o anjo inerte em tom solene insistia
– nosso Poeta encaminha-te um sorriso.

Fez, pois, menção de me sorrir com um olhar materno;
cheio de dentes, mas sem boca, e sem lábios;
sem paraíso, purgatório, nem inferno.

E a gente à volta insacia o verme hábil,
em suas tumbas revestidas ad aeternum
– uns foram anjos, outros poetas e sábios.

W a n c i s c o F r a n c o


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